O ministro da Administração do Território e Reforma do Estado angolano, Adão de Almeida, defendeu hoje, em Luanda, a necessidade de se gerir “com bastante ponderação e inteligência” o momento de transição até à instalação das primeiras autarquias em Angola. Tem razão. É por isso que as eleições autárquicas serão só quando o MPLA… quiser.
Adão de Almeida falava na abertura da II Conferência sobre as Autarquias Locais, que teve como tema a “Transferência de Competências e Coordenação Institucional” e contou com a partilha de experiências de Portugal e Cabo Verde.
O governante angolano referiu que a transição deve ser feita de modo a evitar rupturas na capacidade de prestação de serviços públicos aos cidadãos (que, como se sabe, são hoje um paradigma de ineficiência e incompetência), que “têm alimentado expectativas num aumento dessa capacidade de prestar os serviços a quem demanda”.
“Aos poucos, enfim, vamos ganhando convicção de que o processo de institucionalização das autarquias locais em Angola é irreversível”, disse Adão de Almeida, ressaltando o papel da Assembleia Nacional na aprovação do pacote legislativo autárquico, para a realização das primeiras eleições previstas para 2020.
O titular da pasta da Administração do Território e Reforma do Estado reiterou na sua intervenção o desejo do Governo da busca de consensos nas matérias fracturantes relativas ao processo de preparação das autarquias.
“Queremos, por isso, aproveitar esta ocasião para reiterar não apenas o nosso desejo, mas também o nosso engajamento convicto para a busca permanente e em todos os momentos de soluções, que permitam a construção de pontes capazes de unir as várias visões e sensibilidades que um processo como este não pode deixar de ter”, sublinhou.
O governante realçou os desafios que a problemática da transferência de competências encerra relativamente “à gestão da mudança e, fundamentalmente, do momento de transição”.
“A propósito da coordenação institucional, tema sobre o qual há um painel, será fundamental que consigamos construir soluções capazes de fundar um modelo que garanta coerência e complementaridade entre a intervenção central, a provincial e a municipal, num quadro de autonomia dos municípios”, referiu.
A transferência dos recursos humanos foi igualmente realçada pelo ministro, pressuposto essencial para “um bom processo de descentralização”, apostando na sua formação contínua para os mais diferentes órgãos e serviços da administração local.
Segundo Adão de Almeida, está nas prioridades do Governo buscar soluções para a atracção e criação de capacidade de fixação de quadros nos municípios, a chave para o sucesso do poder local.
“Corremos o risco de transferir competências sem que este pressuposto de base esteja assegurado”, avisou. Mas será mesmo assim? Não basta ser militante do MPLA, pertencer a um comité de uma qualquer especialidade, ter tido aulas de educação patriótica para ter capacidade e competência para qualquer função? Temos, aliás, exemplos da estrondosa capacidade e competência dos militantes do MPLA que tanto são ministros da Agricultura num dia e governadores de Cabinda no outro, ou governador de Cabinda num dia e ministros no dia seguinte.
Angola tem um efectivo de 385.423 quadros, segundo dados do Governo de 2017, dos quais 47.021 nos órgãos da administração central e 338.402 na administração local, avançou o ministro, frisando que está assegurada a sua posição jurídica no processo de gestão da transição para as autarquias locais.
“O processo de descentralização administrativa em Angola oferece desafios que não podemos subestimar, incentiva-nos a buscar novas soluções, apela-nos à ousadia, recomenda-nos ponderação, mas é incontornável e irreversível”, notou.
Brincar com coisas sérias pode ser perigoso
A realização das primeiras eleições autárquicas em Angola vai ser antecedida, já este ano, pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial. Quando é que isto foi dito? Exactamente em Julho de… 2015.
A informação consta da resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as próximas eleições gerais, em 2017, e as primeiras autárquicas, ainda sem data, proposta pelo MPLA, no poder desde 1975, e que incorporou propostas dos partidos da oposição.
No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias às autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”. Agosto de… 2015.
No segundo semestre deste ano será realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”, lê-se na resolução, aprovada no Parlamento por unanimidade e publicada a 17 de Junho.
Neste último processo serão definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.
Igualmente neste segundo semestre de… 2015, o Governo angolano deverá avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.
A última das tarefas definida nesta resolução prevê a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluiu pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.
A convocação das primeiras eleições autárquicas em Angola é um assunto que divide o MPLA, que advogava a necessidade de se criarem condições para o acto, e a oposição, que exige a sua rápida realização, em cumprimento da Constituição.
A 15 de Outubro de 2014, no seu habitual discurso anual sobre o estado da nação, o então Presidente de Angola excluiu a realização das primeiras eleições autárquicas no país antes de 2017, ano em que se realizam eleições gerais, advertindo que “é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”.
“Penso que devemos trabalhar de forma mais unida e coerente para a concretização deste grande desejo dos angolanos, ao invés de transformarmos este assunto em tema de controvérsia e de retórica político-partidária”, apontou José Eduardo dos Santos.
Nessa intervenção, o então chefe de Estado alertou que “são várias as questões” que os órgãos de soberania “têm que tratar até que sejam reunidas as condições necessárias para a criação das autarquias”.
“Penso que todos queremos dar passos firmes em frente para aprofundarmos o nosso processo democrático, mas é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”, afirmou, desafiando a Assembleia Nacional a clarificar um calendário para “depois passar à acção”.
Tapar, à noite, o Sol com uma peneira
O MPLA ainda não definiu um horizonte temporal para a realização das primeiras eleições autárquicas. Nada de novo, portanto. A tese oficial era, em Dezembro de 2014 e segundo o então presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, que havia uma série de pressupostos que antes devem ser resolvidos.
E quais era (são) esses pressupostos? O principal refere-se ao facto de, mau grado ter mais militantes e simpatizantes do que angolanos recenseados, o MPLA não ter (ainda) a certeza de que arrasará toda a concorrência.
Virgílio de Fontes Pereira salientava que as eleições autárquicas não podem cair de “pára-quedas” porque o país vem de uma situação de pós-conflito armado, em função da qual a sua realidade é diferente de uma nação normal, do ponto de vista de participação política dos cidadãos.
Baseando-se na melhor desculpa dos últimos anos, o conflito armado, o MPLA diz que a situação do país “é diferente de uma nação normal”. Isto, é claro, aplica-se apenas às eleições autárquicas. Para as outras é óbvio – ou a vitória do MPLA não fosse conhecida muito antes do sufrágio – que o país é uma nação normal.
A isso acresce que, seja em 2017 ou 2027, é sempre possível dizer (até porque é verdade) que o país vem de uma situação de pós-conflito armado. Já não é possível culpar Jonas Savimbi, mas é exequível acusar a UNITA, agora apoiada pelos marimbondos do MPLA.
“Angola não pode ter um percurso de ciclos de eleições que seja de um país normal”, asseverou o então presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, ao mesmo tempo que aconselhou os angolanos a encararem as coisas com realismo e objectividade, e a não darem passos que possam comprometer os ganhos já alcançados.
Ora aí está. Se começam a pensar que o nosso país é uma democracia e um Estado de Direito, o MPLA vai acusá-los de estarem a “comprometer os ganhos já alcançados” e, dessa forma, acenar com o fantasma da guerra e até – capazes disso são eles – de dizer que afinal Jonas Savimbi ressuscitou.
Na óptica do ex-líder do Grupo Parlamentar do partido que está no pode há tão pouco tempo (apenas desde 1975), as eleições autárquicas devem juntar-se aos proventos obtidos com sacrifício de muitos angolanos, nomeadamente a paz, a reconciliação nacional e o crescimento económico. Ou seja, ao MPLA.
Relativamente às eleições gerais de 2017, Virgílio de Fontes Pereira referia que o MPLA traçou um conjunto de acções, algumas das quais recenseadas pelo Presidente do partido, José Eduardo dos Santos, no seu discurso da sessão de bajulação colectiva ao “querido líder”, a que chamou Congresso.
“As tarefas enumeradas pelo Presidente e outras não mencionadas, mas que constam dos documentos fundamentais do partido, devem ser organizadas e executadas para que se garanta um bom desempenho no pleito de 2017”, sublinhou Virgílio de Fontes Pereira.
Por outras palavras, só é preciso ter (o que até não é difícil) boletins de voto que cheguem. De resto, nada mais é preciso. Nem sequer ir votar. Para isso está lá o MPLA.
Segundo Virgílio de Fontes Pereira, tais tarefas passavam por um envolvimento das instituições do Estado que têm responsabilidade para os actos eleitorais, como o Poder Judiciário, o Parlamento, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a Sociedade Civil e a Imprensa. Tudo órgãos “independentes” ao serviço do regime.
“Toda a sociedade deve envolver-se nas tarefas inerentes à preparação dos processos eleitorais, para que as eleições sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”, almejou o então soba do Grupo Parlamentar do MPLA.
Virgílio de Fontes Pereira disse muito bem: “sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”. Não importa se o serão. O que importa é que sejam tidas como tal.
Folha 8 com Lusa